terça-feira, 8 de maio de 2018

Xapuri e um dia inesquecível da terra de Chico Mendes! (Acre - abril/2018)



Chico Mendes. Quando se falava em Acre, era esse o nome que vinha à minha mente logo de cara. E Xapuri, por consequência.
Então se Acre pra mim era sinônimo de Chico Mendes e Xapuri, dei um jeito de ir lá conhecer de perto a cidade do líder seringueiro mundialmente famoso. Na procura, descobri uma pousada na floresta, entre os seringais. Decidido. Era pra lá mesmo que eu iria!

Xapuri foi palco de batalhas na Revolução Acreana. Como toda aquela região, pertencia à Bolívia e depois da assinatura do Tratado de Petrópolis, foi anexado ao Brasil. Era a época que a borracha valia muito e Xapuri destacava-se nesse cenário, pois tinha os seringais mais produtivos do mundo.

Na floresta, os seringueiros (a maioria nordestinos),  moravam no que até hoje eles chamam de “colocações”. Isolados na mata, trabalhavam em regime de semiescravidão para os donos dos seringais, saindo de madrugada num caminho de ida, cortando a árvore, e na volta recolhendo o leite escorrido em copinhos. Esse processo é realizado de madrugada porque durante o dia, com o calor, o látex coagula mais facilmente.
O 1º ciclo da borracha começou em 1879 e terminou em 1912, quando a Malásia também passou a produzir ”o ouro branco”, superando a produção brasileira. Veio então a 2ª Guerra Mundial e com a invasão da Malásia pelos japoneses, os Aliados vieram buscar no Brasil a borracha necessária para produção de material bélico.

Foi o 2º ciclo, que durou de 1942 a 1945, época que mais nordestinos chegaram à região amazônica, dessa vez arregimentados pelo governo de Getúlio Vargas como “Soldados da Borracha”. Mais uma vez, muitos viveram semi-escravizados nos seringais e milhares morreram nas florestas. Quando a guerra terminou, o governo brasileiro não os levou de volta aos seus estados, como havia prometido. A borracha perdeu o valor, assim como as terras e depois, já pra década de 1970, seus donos começaram a vendê-as para outro tipo de patrão, os fazendeiros, que começaram a derrubar a mata para plantar pasto para seu gado. É aí que entra Chico Mendes.

Nascido nos seringais de Xapuri, filho de pai cearense, Chico aprendeu o ofício com o pai. Como nos seringais não havia escolas, alfabetizou-se somente aos 19 anos. Em 1975 começou a vida sindical contra o desmatamento da floresta e a expulsão dos seringueiros de suas “colocações” pelos fazendeiros, novos donos da terra. Para isso, reuniam-se nos chamados “empates”, que consistia numa manifestação pacífica onde os seringueiros, com mulheres e crianças, posicionavam-se ao redor das árvores, impedindo que fossem derrubadas pelas motosserras. O primeiro líder seringueiro a ser assassinado a mando dos fazendeiros foi Wilson Pinheiro. A partir desse assassinato Chico Mendes tornou-se o líder dos seringueiros e presidente do sindicato, conseguindo unir indígenas, seringueiros, castanheiros e ribeirinhos  na “União dos Povos da Floresta”, com a ideia de criar reservas extrativistas para essa população. Com sua batalha, conseguiu atrair a atenção do exterior e recebeu prêmios internacionais, dentre eles o Global 500 Roll of Honour (tipo um “Oscar” do meio ambiente), oferecido pela ONU, em reconhecimento por sua luta em defesa do meio ambiente.

Mas para alguns fazendeiros e políticos locais, Chico Mendes “atrapalhava o progresso” e, depois da desapropriação do Seringal Cachoeira, do fazendeiro Darly Alves, foi assassinado em sua casa, em 1988 por Darcy, filho de Darly.

 
A história é mais ou menos essa e Xapuri foi o centro de tudo isso. Hoje a casinha de madeira onde viveu Chico Mendes e sua família e onde ele foi assassinado permanece do mesmo jeito, ainda com marcas do seu sangue na porta.

Porta dos fundos da casa, local onde Chico Mendes foi baleado

Ao lado, outra pequena casinha também é museu, reproduzindo uma casa de seringueiros da época áurea da borracha.

Produzindo as "pélas", bolas de borracha

Os pastos e o gado tomaram conta de muito da mata porém a luta de Chico Mendes e seus companheiros deixou de herança a criação de reservas extrativistas protegidas para uso dos povos da floresta. Com a queda brutal do preço da borracha, muitos poucos sobrevivem atualmente se sua  extração. O látex  que ainda é coletado é repassado para uma fábrica de preservativos de Xapuri. Existem ainda os que colhem a castanha (a que nós chamamos de Castanha do Pará), que caçam ou vivem da agricultura. Tem quem ainda cuide e proteja a floresta. Tem quem faça o contrário. Aí já é outra briga....

Depois de conhecer a casa de Chico Mendes, o museu da casinha do seringueiro, passar na Cooperacre para comprar castanhas e conhecer o Museu de Xapuri, situado no prédio da antiga Prefeitura da cidade, com mais histórias da Revolução Acreana e de Chico Mendes, foi a vez de partir para ver in loco um pouco da floresta, os seringais e exatamente no local do estopim da causa da morte de Chico Mendes, o antigo Seringal Cachoeira, atualmente dentro da Reserva Extrativista Chico Mendes e onde foi construída, toda em madeira, a Pousada Ecológica Seringal Cachoeira, uma parceria entre o Governo do Acre e a comunidade local do seringal, onde vivem cerca de 80 famílias.

Distante 30km de Xapuri, metade dos quais de estrada de terra, o acesso pode ser feito de taxi (caro!) ou de mototaxi. Optei pelo mais utilizado: moto!

Simbora!

A pousada é muito frequentada nas férias porém nesse dia em especial eu era a única hóspede! O local possui 3 chalés mas, pra vivenciar tudo do modo mais “raiz” possível, eu já havia reservado minha cama no belichário feminino (espaço coletivo com 12 camas). Depois de jantar, dormi sozinha, cercada pela mata, ouvindo os sons de muitos sapos e outros tantos bichos, me sentindo em outro planeta.


No dia seguinte, acordei cedinho e saí ainda em jejum numa trilha de 2 horas e meia pela mata, sendo guiada por Nilson Mendes, primo de Chico Mendes, profundo conhecedor da floresta, suas plantas e bichos.
Vi as seringueiras no seu habitat natural, castanheiras enormes (que árvore mais linda!) e conheci a Samaúma (ou sumaúma) considerada a rainha da floresta. Nilson Mendes me apresentou a inúmeras plantas e suas propriedades medicinais. Bichos, só cruzei com umas aranhas enormes (felizmente bem quietinhas em seu buraco) e vi rastro de cotias que deixaram coquinhos roídos.

A rainha da floresta, a Samaúma
Extraindo o látex da seringueira

Sangrando a seringueira com a "cabrita" 


 
Nilson Mendes subindo por cipós em uma enorme castanheira

A trilha terminou e a conversa continuou na mesa do café da manhã quando infelizmente “meu” moto taxista chegou para me levar de volta a Xapuri. Se na ida por aquela mesma estrada eu estava meio receosa pelo que iria encontrar, a volta foi em estado de êxtase, apreciando as enormes castanheiras, respirando aquele ar puro, ouvindo o silêncio da floresta e agradecendo pela felicidade de estar vivendo aquele momento tão especial e único. Foi DEMAIS!

Voltando pela estrada entre castanheiras


Dicas para quem vai:

De Rio Branco para Xapuri: tem ônibus de linha mas é daqueles pinga pinga em um percurso de 175km, por isso, optei pelo taxi compartilhado, muito utilizado tanto pelos que vão a Xapuri, como pra Brasiléia ou Cobija, na Bolívia. Paguei R$ 60,00 e adorei tanto a ida quanto a volta. Foram horas de conversa com os motoristas e passageiros que dividiram comigo o taxi, todos moradores locais com muitas histórias. Para quem sai de Rio Branco, os taxis ficam estacionados na Gameleira mas também podem ser chamados com antecedência em seu hotel. Segue telefone dos que eu fui: Jamilson (68.99968.2056/99987.0886/99231.0315) Celino (68.99922.4375)

Embora eu tenha ido por conta própria, existem agências que fazem esse passeio, como a Vivacre Turismo, que também tem excursões às aldeias indígenas (contato pelo facebook).

De Xapuri para a Pousada Seringal Cachoeira: de taxi, cobraram entre R$120/150 só de ida. De moto são 45 minutos e o preço é R$ 50,00 cada trecho. Telefone do mototaxista que me levou e me buscou no horário combinado: Raimundo (68.99901.0359). Outra opção pode ser também o Hudson, que é o vigia da pousada mas que, estando a disposição, faz esse serviço também ( Hudson: 68.9913.8419).

Trilha da pousada: o agendamento da trilha é feito com antecedência para eles chamarem o guia (R$ 60,00 a Trilha da Samaúma). Combinando com antecedência, Nilson Mendes faz trilhas maiores pela floresta. Telefone do Nilson Mendes: 68.9965.8513

O que levar: pra trilha é imprescindível ir de tênis (ou botas) e uma calça leve também é boa ideia, embora eu tenha ido de shorts. Repelente é aconselhável, embora em nenhum momento eu tenha sentido picadas de insetos (sorte?).

Contato da pousada: (68)99943-4747 / e-mail: pousada.cachoeira@outlook.com ou facebook. Valor da diária no belichário com café da manhã: R$ 60,00.

Hotel em Xapuri: existem algumas pousadas para quem resolver ficar na cidade. A única que conheci foi a Pousada Chapurys, por indicação do taxista que me deixou lá porque eu procurava um local pra almoçar. Não tinha almoço mas teve uma conversa agradabilíssima com o dono, o Seu João, que ainda por cima tem um pequeno antiquário particular e uma galeria de fotos de e sobre Chico Mendes. Fui tão bem recebida por ele e sua esposa que quase desisti de ir dormir na floresta para continuar conversando e ouvindo as histórias do Seu João (que foi amigo de Chico Mendes) enquanto escutávamos seus discos de vinil.




                                     1a Meia Maratona Acre Running - Rio Branco-AC (22/4/2018)



 Pequeno vídeo feito na Pousada Seringal Cachoeira:
https://www.youtube.com/watch?v=q7EFlw_CsRA&feature=youtu.be

Mais fotos:

Pela estrada, entre Rio Branco e Xapuri

Pracinha em Xapuri


 
Rua da Casa de Chico Mendes (a azul no final)








Interior da casa de Chico Mendes

Quarto de seus 2 filhos


Banheiro no exterior da casa. Para onde ele se dirigia quando foi assassinado


Cooperacre


Seringueiro

Com Chico Mendes, no Museu do Xapuri





Um dos chalés da pousada

Interior do belichário



Piscina e castanheiras




Iniciando a trilha com Nilson Mendes


As aranhas

De boa no cipó


Raiz de uma árvore caída

Samaúma


Castanheira


Uma das 1as escolas dentro de seringal




Com Nilson Mendes


Beleza de castanheira!







4 comentários:

Anônimo disse...

Lióca amei seu relato ! Muita informação e cultura num cantinho do Brasil tão esquecido!
Tânia

Anônimo disse...

Excelente narrativa!
Telma

Anônimo disse...

Experiência muito massa!
Essa eu iria gostar.
Márcia

Leila disse...

Amei o relato, Lia. Senti sua emoção! A Amazônia é mesmo grandiosa. Como tenho muita vontade de conhecer um pouco do Acre as dicas foram muito importantes.
Parabéns pelas fotos!